16.11.12

Beijos e babas

Hoje, o Lucas e a Camile vieram brincar comigo aqui em casa. Como o dia estava bonito e mamãe iria ficar revisando uns trabalhos em casa, ela permitiu que nós fôssemos até o córrego que fica no final da rua para tomar banho. 
Nós não demos tempo para ela repensar a proposta. Pegamos toalhas, emprestei um maiô para Mile enquanto Lucas preparava uma mochila com lanches. Só precisávamos voltar para casa no fim da tarde e prometer que não iríamos pular das pedras para dentro d'água.
Lucas tentou não prometer, mas minha mãe percebeu o silêncio dele e o olhar para o tapete, disse que se descobrisse que havíamos feito isso, Marise iria ficar sabendo.
As orelhas de Lucas ficaram vermelhas como tomates, porque ele percebeu que mamãe só falou o nome da mãe dele. E quando Mile disse para ele ficar tranquilo, que mesmo que ele desobedecesse a mamãe nunca teria como descobrir já que não estaria lá, nós dois nos olhamos e respondemos:

"Ela sempre sabe."

Eu lembro que eu e a Cat sempre costumávamos passar boa parte da noite tentando descobrir quais poderes mágicos mamãe possuía para sempre descobrir a verdade. Algumas vezes ela conseguia descobrir até mesmo o que estávamos pensando. 

"Ela não tem uma bola de cristal... Eu já olhei por tudo quando ela não estava em casa" - disse Cat olhando o teto estrelado do nosso quarto.

"E se estiver no trabalho dela?"

"Alguém poderia descobrir lá. Como ele é cientista, quem sabe tenha trocado os olhos do Cattus por uma câmera que fique filmando a gente. Talvez ele nem seja um gato, seja um robô!" 

Catherine começou a sorrir com sua ideia e, então, gritou:

"Ai! O que você está fazendo com seus pés gelados aqui?"

Ela me deixou ficar mesmo assim quando viu as lágrimas nos meus olhos e como eu estava assustada. Dormi na cama dela com medo do Cattus (o gato que tínhamos na época e que é pai do Félix) durante alguns meses.
Nessa época ainda dividíamos o quarto, Cat tinha quase a mesma idade que eu tenho hoje e ainda me abraçava com carinho.

"Joana está mesmo namorando o Mateus?" - perguntei para o Lucas, tirando da cabeça as lembranças

Ele ficou quieto por alguns segundos, depois confirmou com a cabeça.

"Acho que as duas são duas tolas. Brigarem por causa de um menino. Eca!" - Mile fez cara de nojo

"Eu não queria que elas tivessem brigado e me sinto um pouco culpado por ter perguntado sobre o cocô, mas qual o problema dos meninos?"

"Hmm... nem todos tem problema. Você não tem problemas, é um excelente amigo. Só que eu não consigo entender como duas amigas de tanto tempo podem crescer e ficarem burras. Brigarem por beijo que é algo nojento."

Fiquei pensando se beijar seria nojento mesmo e não escutei a resposta que Lucas deu para ela.
Na televisão os beijos nunca pareciam nojentos, nem quando meu pai e minha mãe se beijavam quando pensavam que nós não estávamos vendo.
Só que eu li nas revistas da minha irmã que as pessoas se beijam com a língua, e se você coloca a língua na boca de outra pessoa, deve ir baba para a boca dela.
Eu realmente comecei a ficar com nojo e vergonha de ter alguém com uma língua cheia de restos de comida cutucando dentro da minha boca. E toda aquela baba... E se eu engolisse a saliva da outra pessoa?

"Eu nunca vou beijar outra pessoa!" - falei em voz alta

"Vai virar freira, Let?" - Lucas perguntou rindo da minha cara

"Eu não preciso virar freira para não beijar alguém. Eu posso até beijar, se for de boca fechada."

Lucas continuou rindo e, de repente, me empurrou com tudo dentro d'água gelada.

"Vamos parar de falar de beijos e coisas de menininha. Quero saber quem consegue ficar mais tempo sem respirar e sem sair do lugar!"

Passamos o resto da tarde nadando e nos divertindo. Voltamos tão cansados que Marise nem ficou muito tempo conversando com a mamãe, ela se despediu indo para o carro com Camile quase fechando os olhos vermelhos.
Cat chegou logo em seguida e disse que não queria jantar. Meu pai tinha feito um sanduíche que ela adora, tentando melhorar o humor dela e dizendo que já era a terceira vez na semana que ela não jantava em casa.
Ela fingiu que não ouviu e subiu para o quarto dela. 
Enquanto eu tomava banho, lembrei da nossa conversa sobre beijos durante a tarde. Fiquei me perguntando se minha irmã já tinha beijado alguém, se tinha engolido a saliva de alguém.
Após o banho, bati algumas vezes na maçaneta da porta dela em dúvida se deveria conversar com ela. Só que ela ouviu o barulho e abriu a porte, perguntando o que eu queria.
O rosto dela estava inchado de tanto chorar e vi que ela estava jogando fora várias coisas, inclusive uma camiseta que Joana havia dado para ela com uma foto da Catherine Deneuve.
Ela olhou para a caixa e perguntou novamente o que eu queria.

"Posso dormir com você?"

Ela me abraçou tão forte como quando eu tinha medo de Cattus e apenas quatro anos. Só que dessa vez era ela que chorava molhando meu cabelo recém-lavado. Eu não conseguia entender direito tudo o que estava acontecendo, percebi que eu não queria crescer se isso significava brigar com meus amigos e chorar o tempo todo por uma história boba.
Só que eu não disse isso para a Cat. Entramos no quarto e deitamos na cama, fazendo tudo que estava em cima cair no chão. Mamãe reclamaria de manhã, só que no momento eu não me importei porque estava desempenhando o papel de irmã mais velha. Abracei a Cat, fiz cafuné nos seus cabelos e deixei que ela chorasse no meu colo até dormir.
E eu sei que não deveria me sentir feliz, só que eu estava. Porque desde que a Cat ganhou um quarto novo, ela nunca mais tinha me abraçado e confiado em mim daquela maneira.

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Letice é uma personagem criada por mim. Ela é uma menina de 9 anos que é cheia de questionamentos e apronta muito.

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