20.8.13

Quem tem medo do escuro?

- Posso apagar a luz?

Fiquei um tempo pensando antes de responder. Eu sempre durmo com a luz apagada lá em casa. Mas acontece que entre uma luz da rua através da cortina e eu consigo enxergar as sombras do quarto.
O apartamento da Re fica virado para uma região de mata e não vem luz de lá. Também tem aqueles blecautes na janela e o silêncio do nono andar é estranho.

- Ainda não, Re. Eu preciso ir ao banheiro de novo.

Levantei e fiquei abraçando meu caderno sentada no chão do banheiro. Eu não costumo ter medo do escuro. O que está acontecendo?

- Tá tudo bem, Leti? Queres que eu te faça um chazinho?

Senti que eu ficava vermelha, mesmo que ninguém pudesse me ver. Deveria fazer muito tempo que estava no banheiro para a mãe da Re vir até ali preocupada.

- Não, tia. Eu já estou indo deitar.

Dei descarga para disfarçar e lavei o rosto de novo.
Voltei ao quarto e disse que ia apagar a luz.

- Por que as pessoas têm medo do escuro? - perguntei, e aí escutei o barulho da Re se movimentando no beliche.

- Porque elas não conseguem ver nada, e aí elas não sabem o que esperar do perigo.

- Bom, mas se você não vê nada, o mais provável é que o perigo também não te veja, não é?

A Re ficou tanto tempo em silêncio que achei que ela já tivesse dormido. Quando ela respondeu, cheguei a me assustar.

- Meu pai diz que a gente tem mais medo daquilo que a gente não conhece. Eu não entendo muito bem isso, mas acho que se a gente está sem poder ver e pensa na possibilidade de haver um perigo que possa te encontrar mesmo na escuridão, algo que a gente desconhece, deve ser aterrorizante. 

Ela se movimentou de novo e não falou mais nada. Só que eu não escutei ela ressonar, então acho que a Re não pegou no sono e ficou pensando no que eu tinha perguntado. E eu fiquei pensando no que ela havia me dito.

O problema foi que eu fiquei pensando nas coisas que tinha medo. E lembrei que eu tinha muito medo de um senhor negro com cara de sério que trabalhava na mesma universidade que minha mãe. Quando eu era bem criança, com uns quatro anos, eu achava ele muito parecido com o vilão de um desenho que assistia na tevê.
Quando eu contei para minha mãe, ela me proibiu de voltar a assistir o desenho. Falou um monte sobre ideias preconceituosas que estavam colocando na minha cabeça e uns dias depois me obrigou a aceitar o convite do professor Edésio para tomar sorvete. Eu vi que ele era sério só dentro do trabalho da mamãe e não tive mais medo.
Só que quando eu passei a estudar na mesma escola que minha irmã, eu sempre escutava comentários que Cat era a irmã fada e eu era a irmã bruxa. Eu chorava sem entender até que disseram que era por que eu tinha cabelos bem pretos como as bruxas, os gatos pretos, as aranhas, os morcegos e outros animais maus. Enquanto minha irmã tinha cabelos que eram da cor do sol.
Eu fiquei triste, e muito envergonhada porque lembrei do medo que eu tinha sentido do professor Edésio e achei que não tinha sido só porque ele era sério.
Era porque ele era escuro, como todos os monstros.

- Re, será que existem cores boas e cores ruins? 

- Como assim, Leti?

- Por que as coisas ruins sempre são pretas e as boas são brancas ou coloridas?

- Eu não tenho resposta, mas se você disser que o vermelho é a cor do diabo, eu vou descer e beliscar você.

Eu comecei a rir e dei boa noite para ela. Só que não consegui dormir. Esperei um tempão para me levantar e pegar o meu caderno e escrever tudo. Eu queria achar um jeito de ninguém mais achar que eu poderia ser má só por causa da cor dos meus cabelos.

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Letice é uma personagem criada por mim. Ela é uma menina de 9 anos que é cheia de questionamentos e apronta muito.

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