Dez vezes

Hoje é o dia do meu décimo aniversário. Eu estou repetindo o tempo todo para todo mundo. É muito mais legal ter o décimo aniversário que fazer dez anos. Faz com que eu me sinta mais adulta, faz com que eu pareça uma mulher de negócios.

Décimo.

Eu sou uma das mais novas das minha turma e já não via a hora de fazer meu décimo ano chegar. Ao mesmo tempo eu não queria que chegasse. Porque eu gosto de ser criança.

A Cat falou que agora já está chegando a hora de eu começar a pensar em doar minhas bonecas e até me deu de presente um s u t i ã. 

Sério!

Mamãe riu e disse que como estou me tornando uma mocinha, vai deixar até eu passar um batom dela para minha festinha. Claro que ela quer ver a minha escolha antes, mas ela deixou eu usar um batom de gente adulta ao invés do meu gloss da Capricho.

Mas comentou que eu não preciso me desfazer das minhas bonecas. Que ao contrário da Catherine, ela brincou de bonecas até os quinze anos.

Eu fiquei menos chateada, só que acabei rindo imaginando a Cat brincando de bonecas. Eu não consigo convencer minha irmã a fazer isso há muito tempo. Quando ficamos juntas ela sempre inventa um jogo. Parece que jogos não são tão infantis quanto brincar de boneca.

A Rê parece achar que eu ainda sou criança, já que o pacote que ela me deu ontem para eu abrir quando acordasse tem justamente uma boneca linda dentro. Os cabelos dela são exatamente da mesma cor que os meus. Embora os olhos sejam castanhos.

Meu pai está chamando para ir para o carro que ele irá nos levar para a escola, só que eu ainda não estou pronta. Eu não sei se devo usar o presente da Cat. Pode ser que eu ainda seja criança demais para usar o presente dela.

Mesmo porque acho que vai aparecer na blusa do meu uniforme e as meninas vão saber que eu estou usando um. Os meninos também! Que vergonha!

Tenho certeza que eles vão ficar pegando no meu pé igual fizeram com a Mille quando ela começou a ir com umas blusinhas debaixo da outra do uniforme. Gritavam que ela já tinha peitinhos.

Acho melhor guardar no fundo da gaveta de calcinhas e deixar para o final do meu décimo ano.

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Ainda bem que hoje tem educação física depois do recreio. A gente sempre consegue se distrair quando está correndo atrás de qualquer bola. E na minha escola a educação física é separada entre meninos e meninas desde o ano passado.

Eu não sei se a Cat ficou triste, mas ela puxou minha blusa e olhou para dentro para ver se eu estava usando. Só que ela fez isso justamente antes de descermos do carro na frente da escola.

E um monte de gente viu. Nunca fiquei tão irritada com ela. E nunca fiquei tão irritada com a vida!

Todos os meninos estão fazendo piadas comigo sobre o que haveria dentro da minha blusa.

O único menino da turma que não falou nada foi o Lucas. Ele não fala mais comigo desde aquele dia que ele saiu da minha casa para o hospital. Ainda assim mamãe me fez entregar o convite para ele.

Cat implorou que eu escrevesse que a Joana não tinha permissão para ir. Mamãe não deixou. Mas eu coloquei um papel dentro pela minha irmã.

Será que ele vai?

- Quem vai? - me perguntou a Renata

- Quem vai para onde? - perguntei - Você estava lendo meu caderno?!

- Não, você estava falando em voz alta.

Pedi desculpas para a Re e quis me enfiar num buraco tão fundo que demorassem dez anos mais para me tirar lá debaixo.