5.3.13

Cama de gato

E estou em casa mais uma vez.
Mamãe está louca da vida com o papai. Eu escutei ela gritando com ele ontem a noite por ter me levado junto no seu trabalho durante a semana. O problema foi que estava fresquinho pela manhã e eu voltei a vomitar, aí ela culpou a comida que meu pai ingere quando está no meio do mato.
O que ela não entende é que eu sou muito, mas muito importante para ajudar o papai a organizar o trabalho dele.
Eu faço um desenho das espécies e anoto pra ele de um modo que só nós dois entendemos. Eu faço isso há 3 anos já e formamos uma grande equipe.

Mamãe não quer nem saber. Ela disse que essa semana não pode faltar ao trabalho e está pirando com os resultados de um aluno seu que ela pretende levar na sua próxima viagem para um evento em que as pessoas que tem o mesmo emprego que meus pais vão para conversar sobre o trabalho deles.
Deve ser muito legal ir viajar para encontrar 'amigos' que fazem o mesmo que você em outros lugares.
Podiam ter esses encontros também para todos os alunos do 4º ano das diferentes cidades do Brasil, e aí eu saberia se todos eles gostam das mesmas coisas que eu, como sorvete de morando e de menta. Que eu não posso tomar há três dias ou eu tenho que correr para o banheiro.

Hoje quem vai cuidar de mim será a Cat.
Ela ficou bem feliz para falar a verdade. Acho que até compraria dois potes de sorvete só para que eu continuasse doente e ela continuasse em casa sem ir a escola.

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Papai veio almoçar com a gente. Foi bem engraçado porque parecia que estávamos de férias. Ele trouxe comida chinesa e eu pude me empanturrar de rolinhos primavera com molho agridoce enquanto contávamos a ele o que tínhamos feito de manhã.
Ficamos no quarto da Cat jogando alguns jogos de tabuleiro que estavam guardados no fundo do armário. E o melhor de jogar com Catherine é que quando eu ganho, sei que ela não me deixou ganhar porque sou mais nova. Ela fica irritada.

Depois disso, ela decidiu aproveitar que estava em casa e arrumou o armário. Tirou todas as roupas de dentro e fiquei desfilando com a narração dela com as roupas que ela queria descartar. E ela até deixou eu ficar com algumas blusas. Melhor, ela prometeu guardar uma saia e dois vestidos para quando servirem em mim.

Desde que ela me abraçou inesperadamente, eu não tinha me sentido tão feliz na presença dela. E papai também percebeu isso, porque não parava de olhar para nós com os olhos cheios de lágrimas e me dar piscadinhas escondidas.

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A tarde não foi nada legal.
Eu decidi me deitar um pouco porque toda a brincadeira da manhã realmente tinha me cansado. Cat deitou ao meu lado na cama e deve ter ficado até eu ter dormido.

Quando me levantei escutei conversa no andar debaixo e música. Olhei pela janela e ainda estava claro, então não deveria ser meus pais que tinham voltado para casa.
Sentei na escada e fiquei olhando algumas meninas da turma da minha irmã e dois rapazes que eu jurava que eram do último ano.
Eles estavam rindo alto e eu nem sabia do que era, mas passavam uma garrafa de mão em mão depois que alguém falava algo.

Denise, a única das meninas que eu conhecia, estava com o rosto vermelho como se tivesse acabado de correr. A blusa estava caindo na frente e dava pra ver seu sutiã preto, mas ela não parecia ter notado. E se babou toda quando começou a rir assim que uma das meninas passou a mão no meio das pernas do menino de cabelos pretos.
Eu não sei o que aconteceu depois, porque ele gritou:

- Quer ver de perto? Eu ponho na sua mão!

Levantou e começou a abrir o zíper da bermuda.

Eu saí correndo apavorada escada acima. Não estava entendendo o que acontecia lá embaixo, e não entendi porque minha irmã não estava lá ou no quarto comigo.
Eu nem tinha percebido que estava chorando, mas vi meu rosto molhado no espelho ao lado da porta da Cat antes de abri-la. Não sabia que tudo poderia ser pior, muito pior.

Minha irmã estava com um menino no quarto. Eles se beijavam e ele começou a lamber o pescoço dela.
Achei que fosse vomitar e não era culpa da comida chinesa. Aí ele abriu o sutiã dela e descobri que ela estava só de short.
Eu queria correr dali, queria gritar e acordar daquele pesadelo. Quando dei um passo pra trás, minha irmã abriu os olhos e me viu. E não estava furiosa como achei que ficaria por me encontrar ali. Seu rosto ficou branco e ela pareceu que ia chorar.
Começou a gritar:

- Saia daqui! - enquanto afastava o rapaz de perto dela.

E eu corri para o meu quarto e me enrolei nas cobertas com Félix no meu travesseiro. Chorei tanto que pensei que fosse morrer porque toda a água do meu corpo sairia pelos meus olhos e nariz.
Por que quando a gente chora o nariz tem que ficar entupido e escorrer? Por quê?
Por que minha irmã estava fazendo aquilo? Por que ela estragou nosso dia especial?

Eram tantas perguntas, tanta dor e tanta tristeza que eu nem sei como eu adormeci enquanto escrevia no caderno.

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Acordei e o quarto estava escuro.
Félix não estava mais do meu lado, eram cabelos loiros que dividiam o travesseiro com os meus escuros.

Sentei devagar na cama e vi meu caderno e caneta em cima da mesa. Será que ela tinha ousado ler? Não que eu tivesse segredos lá. Mas acho que não queria ninguém lendo.
Vi que tinham posto um pijama em mim e trocado o meu travesseiro. Ia me levantar quando Catherine acordou e me abraçou murmurando desculpas.

- Achei que estava braba comigo. Mesmo que quem deveria estar braba seja eu. - murmurei.

- Não, Leti. Estou envergonhado, isso sim. Desculpa pelo o que te causei, pelo que fiz, por todas as confusões em que te meti. - ela começou a soluçar - Só não conte para a mãe ou para o pai, por favor.

- Eu não vou contar. Eu só queria entender o que estava acontecendo.

- Quando tu fores mais velha, entenderás. Tenho certeza. Só espero que não passes por isso. Tenho sido ridículo. Tenho me destruído por uma vaca que não vale a pena.

Eu comecei a rir. Ela tinha chamado a Joana de vaca. Eu nem me importei de ela vir com aquela velha história de quando eu crescesse.

- Eu te amo, minha pequena Leti.

E ficamos deitadas juntas na minha cama até minha mãe entrar no quarto para ver se eu estava melhor e se deitar conosco.

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Letice é uma personagem criada por mim. Ela é uma menina de 9 anos que é cheia de questionamentos e apronta muito. Confira as postagens aqui.

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